01/11/06

Andei por esta terra durante trinta anos e, por gratidão, quero deixar alguma lembrança. (Vincent Van Gogh)

Aparte as evidências do nexo e do que se tem como fidedigno, digamos assim, da realidade concreta, há algo que ocorre antes numa espécie de lucidez oscilante, num espectro alargado de consciência que cria esta abertura entre a rotina e a maravilha, uma geometria mágica onde tudo é possível, ou poucas coisas impossíveis, ou onde até mesmo a noção do plausível não faz muito sentido. Não falo de uma distorção ou fabulação onírica das coisas. É antes uma predisposição da líbido mental para ver o mundo como um exame das experiências directas que nos apresenta: os sentidos são um teste à nossa capacidade de perceber algo além deles, a matéria é um teste à nossa curiosidade, a dúvida um teste à nossa vitalidade. Somos no fundo pontos onde o mundo se observa a si mesmo, frequentemente sem a noção consciente de que a percepção é uma forma de visualizar a relação do pedaço de mundo que somos com o restante. Há antes uma tendência para a observação dita externa, para um isolamento a priori, para um limite circunstancial que na verdade não existe. Há uma nebulosa de hipocrisia em redor desse percurso-padrão do entendimento. Por isso é que me faz sentido que a perspectiva artística seja a mais verdadeira que se pode ter em relação ao que quer que seja. Porque fala da dialéctica indivíduo-mundo de uma forma mais primordial, sob um paradigma mais directamente colocado. E porque não exclui da sua expressão (escrita, plastica, musical...) nenhum dos elementos desse diálogo: seja a entidade que observa, seja o objecto considerado (objecto esse que pode coincidir com a entidade que observa), seja a relação de ambos entre si, e de cada um com o meio que determina essas mesmas relações. Há ali uma universalidade que me agrada, uma abrangência, uma quebra de barreiras que não se conota com a rebeldia incipiente de quem quer deixar o ego a luzir e sentir-se deus. Há verdade enfim, nessa ressonância poética essencial que se encontra entre nós e o mundo, nessa urgência de sonhar, nessa procura de uma massa crítica num sítio fora do mapa... Arte é quando dizemos "eu vi" ao invés de "eu criei". É quando dos ruídos do dia se extrai uma gota de música

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