13/07/07

Assim..

uma muralha de ar, em advérbio
cheia de grafite e raiva dos meses
mas calma, quase uma montra de virtudes


um ser vento, menor como a comida dos pássaros
doloroso como o ar-luz da manhã que entra pelos olhos
deixa um lugar enorme
um timbre a sépia e a vácuo
por onde ainda nem há cinco minutos se passou



assim vai morrendo a mentira

Semi-Idiota

o meu troféu de fuga ergue-se na triste raíz de carência


que é o meu coração

28/12/06

Num ciclo de abandono..

Há em certas alturas de encontrar as coisas, um vôo rasante e frio pelos corredores das hipóteses, e a cruzar a amplitude inteira do que se pode pensar e sentir, num fascínio assimétrico pela orla da vida. E tudo está tão calado; por causa dessa outra atmosfera, desse outro lugar, toca-nos uma tristeza antiga. Um fio de cansaço pelo abismo que se nos apresenta. A distância daqui ao depois é maior que a intenção do meu salto, que a vontade de paisagem nova. Porque cada nova paisagem é simplesmente igual a todo um filão de visões que já tive.. É fechar o livro, como se já soubesse o que vai acontecer. No entanto, nunca sem ironia, é-me apresentada outra forma de equilíbrio - sempre aquele que não havia imaginado - um esboço secreto de algo que ainda está para vir, condensado numa crença. E aquece como um lume de inverno o tudo cair de novo no seu lugar, como a sapiência de uma verdade a disciplinar-me a convicção... E a alma mistura-se em amenas conversas consigo mesma, no sabor de uma nova, ainda que vaga, conquista. Os significados despem-se das palavras, comovendo-se com a inocente e trágica lição destes pequenos nadas que são tudo, e fundem-se de novo, respirando já uma nova consciência. Depois outra palavra que os procura, puxando essa história ao palpável, excedendo-se com uma luz um pouco mais clara que o dia, para seguir na estrada, registando o imperceptível movimento de fora para dentro das memórias. E notamos que naquele momento, crescemos mais um pouco para nós mesmos, eventualmente para os outros, e houve ali nomes para o descrever...


Na volta do círculo, em torno de sítios que ficaram vazios, acontecimentos que ficaram quase incompreensíveis, descrevendo concentricidades em que apenas difere a metáfora, na sequência
de um ciclo de abandono, como um coração que pára de bater...

E o vento lá fora que vive sem chão, mede a força da noite
esvazia-a, e abre o instante de preparação do dia
soltando o seu aceno intacto para as horas...

04/12/06

Intervalo

Às vezes do fundo das ideias vem uma brisa que parece nascer do nada, uma espécie de conjugação de verbos desconhecidos, uma procura que poderia conduzir a algo, nem que fosse tão somente ao mesmo, mas tendo a certeza que houve uma procura, de que se caminhou, nem que em direcção à pura simplicidade do nada. Apenas em mais uma tentativa de pronunciar o mundo, de uma forma íntegra, dotada de unidade como um organismo vivo. E nessas alturas percebe-se bem a natureza escalar e contrastante da forma como vemos as coisas, e notamos não só as presenças de tudo, mas as ausências que lhes servem de pano de fundo; e o escuro de repente é uma mentira contada apenas aos nossos olhos e percebemos o interstício onde a respiração do mundo se sustém; aquilo a que chamamos silêncio... Subitamente é possível entrar numa espécie de omnipresença, numa arrítmia de trajecto vário, e entra-se em longos diálogos com os indizíveis a que não se pode dar forma tantas vezes, de frágeis que são os ramos em que poisam.. É assim que as verdades se encontram, sem corrimão, sem legados, com aquela poderosa arma que é a imaginação, a pulverizar as escalas, a destituir as classificações arbitrárias, usando apenas da elegância natural da mente como ferramenta na busca de um valor definitivo. Ainda que este só dure um instante luminoso já valeu a pena e já é mais fácil dormir tendo por companhia uma nova transparência de convicção. O apelo a uma relação mais primordial entre chão firme e vertigem para que o sonho que aí vem seja destituído de noções que não são o que querem significar; para de uma forma mais voluntária, adormecer como quem inventou o próprio intervalo em que repousa..

21/11/06

Quem anda à chuva molha-se

É estranho ver as coisas assim a mudar, é estranho agora pensar no bem que me fez o mal que me fizeste e entender tudo como apenas mais outra nova lição que me trouxe aos dias de hoje. Lembro-me de pensar, com tanta pena e nostalgia, nos dias que não viriam, e achar, com uma distância de estrelas, que em breve também seriamos outono. Gostar de ti era como respirar debaixo de água, e toda a vida era apenas o que nós sabíamos. Hoje no entanto tudo tem a complacência de um entardecer a insinuar um eco ausente, de dever ter entendido melhor o contexto perene das palavras. E vieram morar em cada um de nós novas pessoas que já não se conhecem, que eclipsaram qualquer tradução coerente dos seus passados com uma recusa inexpugnável. Porque depois é fácil a negação plausível das profundidades que atingimos e há afinal um arrependimento. No fundo só procuravamos encontrar a manhã de transparência que nos fizesse aceitar, e ela surgiu, apenas quando já podiamos desmentir os contratempos, largar a pele e fazer de novo. Só veio quando a dor já dormia no meu colo como um animal de companhia. Sim, o que queremos tão pouco é aquilo que precisamos. O remédio para a dor foi a própria dor. E agora a sua ausência até é estranha. Afinal todos falam de liberdade, mas até esta pode ser uma prisão se nada nos dissolve além das abruptas margens dos sentidos... Ultimamente tudo teve o seu golpe de estranheza como se não andasse num mundo real e objectivo. Apesar de tudo acordar é sempre bom quando a chuva me faz companhia, a cair de propósito e a deixar-me ancorar em si a breve errância matinal.
E já não fico tão à prova de sentimentos..

13/11/06

Porque ás vezes não sei falar na língua em que penso...

Talvez haja mais mensagem no subtil do silêncio inclinado de um não-dito, como no branco que fica do papel em que se escreve, do que no anúncio incompletamente cogitado e vago de uma ideia. Há demasiada informação erodida até só no acto de pensar um pensamento ou de sentir um sentimento. Gastamo-lo de ser nosso e de o ter numa dada altura, atribuindo-lhe imperfeição, sacrificando o conceito inenarrável à tentativa de exprimi-lo. É um dilema de perfeccionismo, uma faca de dois gumes: se por um lado a linguagem surge pela necessidade de comunicação, ao mesmo tempo acaba por subverter essa fuga da abstracção. E há todo um universo de subjectividade até só num "sim", num "pois" ou num "fui para casa às três da tarde" que a própria linguagem ás vezes me parece mais um muro de opacidade a rodear a totalidade suspensa das minhas intenções, do que o canal necessário para as verbalizar. Parece-me que há uma especificidade progressiva nesta história da linguagem, uma necessidade de condensar as aptidões de inteligência e habilidade para dar num crescendo de manifestação instantânea do potencial, na amplificação máxima do indivíduo, ou na subdivisão em "existências" individuais(f.p.), neste último caso, de modo a não ter que tratar algo no seu uníssono de visões e, à boa maneira do "divide and conquer", tratar cada uma de uma forma mais inteira.. Mas não sei, não acho que transformar uma imagem num puzzle e observar cada peça individual e minuciosamente seja a premissa necessária. No fundo depois dessa desconstrução e reconstrução, a imagem que surge é a de nós mesmos a montar o tal puzzle, desfigurando a suposta identidade a descobrir e manifestar num caleidoscópio interminável de eus. Acho que prefiro o traço imperfeito, o risco calculado... E pensando bem até há algo no rigor que não me seduz, talvez uma ausência de ansiedade.. Sempre haverá naufrágios no que dizemos e fazemos e acabam por ser também um ingrediente essencial na matéria invisível do poema vivido. Nessa aceitação serena (não resignação) do desconhecido, do que não se controla, é que talvez se forme o túnel de luz por onde podemos levar uma vida, ainda que não exacta no seu traçado, plena nos seus significados...

08/11/06

Sobre.. coisas

É que tudo o que se quer é apenas ser, e deixar claro tudo o que há em nós, quando nos atinge o ter nascido sem entender o para quê de tantas falsas situações. É que quem decide deixar em aberto todas as opções possíveis acaba por nunca tirar o pijama, numa estranha forma de seguir a vida mais semelhante a uma hibernação, a uma latência de espírito. Como que a ver o que o tempo faz por mim, primo pela espera desarmada, pela luta por algo mais puro, não tão longe daquele fundo a que queria chegar. Mas nunca dá para dar a volta, quebra-me a condição sabê-lo e custa até já ouvir-me só querer mudar as coisas. É uma queda à espera que me nasçam asas. Fica-se com tudo para dar. E ainda que se vá morar para outras ideias e sensações, nunca se fecha a porta à chave das antigas, nessa determinação esparsa de manter uma identidade: como o querer ficar, o querer subir, o alimentar paixões desmedidas, o acender a luz, o dar o meu sal,
o ser e andar pela rua como as correntes de ar... E para quê? Que quem tem este mesmo mal de não saber amar sabe como é triste o fim ser igual, irreal, o denominador comum das histórias, sempre fora da hora, sempre a hemorragia, sempre traído pela própria devoção à verdade do coração… Deve ser crime e castigo, culpa e sentença, o mundo tem ao menos esse sentido – da causa e efeito… ou não.

Seja como for acolho então esta forma de estar, em que me sinto impreparado para a própria
existência, fechado para obras… Aprender. Não vou contrariar, mas também não vou sugerir, para
não encher copos sem fundo, cultivando os prazeres simples da vida. Só quero vontade de sorrir
quando olho pela janela…
E chega, vou parar para dormir, mas antes:


**pluto - entre nós**
“Tal como o pássaro tem de voar para ser o que é
Teu homem tem de viver se desejas saber quem é
Fácil como voar, mas demora o tempo que for, é o tempo que tens
Para mudar, mas demora o tempo que tens”
(…)

E uma coisa engraçada que vi na bertrand: Hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!
(isto sim era o que 
eu queria dizer ^_^)

01/11/06

Andei por esta terra durante trinta anos e, por gratidão, quero deixar alguma lembrança. (Vincent Van Gogh)

Aparte as evidências do nexo e do que se tem como fidedigno, digamos assim, da realidade concreta, há algo que ocorre antes numa espécie de lucidez oscilante, num espectro alargado de consciência que cria esta abertura entre a rotina e a maravilha, uma geometria mágica onde tudo é possível, ou poucas coisas impossíveis, ou onde até mesmo a noção do plausível não faz muito sentido. Não falo de uma distorção ou fabulação onírica das coisas. É antes uma predisposição da líbido mental para ver o mundo como um exame das experiências directas que nos apresenta: os sentidos são um teste à nossa capacidade de perceber algo além deles, a matéria é um teste à nossa curiosidade, a dúvida um teste à nossa vitalidade. Somos no fundo pontos onde o mundo se observa a si mesmo, frequentemente sem a noção consciente de que a percepção é uma forma de visualizar a relação do pedaço de mundo que somos com o restante. Há antes uma tendência para a observação dita externa, para um isolamento a priori, para um limite circunstancial que na verdade não existe. Há uma nebulosa de hipocrisia em redor desse percurso-padrão do entendimento. Por isso é que me faz sentido que a perspectiva artística seja a mais verdadeira que se pode ter em relação ao que quer que seja. Porque fala da dialéctica indivíduo-mundo de uma forma mais primordial, sob um paradigma mais directamente colocado. E porque não exclui da sua expressão (escrita, plastica, musical...) nenhum dos elementos desse diálogo: seja a entidade que observa, seja o objecto considerado (objecto esse que pode coincidir com a entidade que observa), seja a relação de ambos entre si, e de cada um com o meio que determina essas mesmas relações. Há ali uma universalidade que me agrada, uma abrangência, uma quebra de barreiras que não se conota com a rebeldia incipiente de quem quer deixar o ego a luzir e sentir-se deus. Há verdade enfim, nessa ressonância poética essencial que se encontra entre nós e o mundo, nessa urgência de sonhar, nessa procura de uma massa crítica num sítio fora do mapa... Arte é quando dizemos "eu vi" ao invés de "eu criei". É quando dos ruídos do dia se extrai uma gota de música

19/10/06

Perspectivas

Porque é que de repente me vejo cárcere desta geometria sináptica, deste esforço arquitectado para ficar inerte a tudo? Ainda que tentando tomar a razão por aliada, as ideias congestionam-se e não consigo discernir uma conclusão de todas as barreiras que a mente cria. A prisão da própria forma de pensar! E que forma é essa? Devo tomá-la por dádiva? Por fardo? Vejo-me assim, insubordinado ao mundo e às suas leis e irónicas imposições, tendo por alento apenas o refúgio da esfera mental. E no meu pensar consigo despir-me, mais do que dos preconceitos, de ser humano; consigo observar-me de outra galáxia e ver o pensamento já a formar-se como se nem fosse meu, mas do corpo que uso para pensar, num exercício de distanciamento que sempre tive como fundamental para uma leitura mais precisa de tudo. É como tentar ler o jornal com os olhos muito perto do papel, perde-se em clareza, em foco, em perspectiva. Perspectiva: uma das minhas palavras e noções favoritas. Que tudo é perspectiva; ver ou não ver, sentir ou não sentir.. é o que faz a diferença, e não o que eventualmente seja real ou não (Pff.. real, é melhor nem entrar por aí..). E depois surge esta vontade de comunicar.. mas as palavras apelam a algo já de si indizível, tão meu que teria de encomendar o meu próprio dicionário para o expressar convenientemente. Um momento de eloquência vale ouro! Há sempre a esperança que se reconheça o dialecto e haja identificação naquilo de que as mesmas palavras estão imbuídas.. Ás vezes apenas um breve instante de pragmatismo, um je ne sais quoi individual que se pode partilhar, uma nuance.. Não é perfeito, mas importa-me mais essa partilha que a tantas vezes insignificante forma de nos termos uns aos outros no dia-a-dia.E sempre com aquela dose bem-disposta de deambulação humorística pelos assuntos, a revestir de risível essas mesmas seriedades, para que nada seja levado demasiado a sério. Afinal de contas, o humor é o pátio de recreio da inteligência... De facto há poucas coisas que mostrem tanto o relevo da personalidade e da consciência...
No fim de contas, a única coisa em que consigo pensar é em como esta noção do eu, aquilo que somos, é apenas uma estrutura lógica(?), um abrigo momentâneo para todas as abstracções.. no controlo de impulsos contraditórios.. A ideia será talvez mantermo-nos num estado de partida e chegada constantes. Poupa-se tempo nas apresentações e nas despedidas.A viagem não precisa de explicações, e o mar nunca recusa um rio.

17/10/06

Sê teu filho

A razão pela qual recuso o existencialismo apenas como mais uma moda francesa ou uma curiosidade histórica é porque penso que ainda tem muito para nos dar... Receio que estejamos a perder o bom que é viver apaixonadamente, de sermos responsáveis pelo que somos, a capacidade para fazermos algo de/por/para nós próprios, e de estarmos de bem com a vida. O existencialismo é visto frequentemente como uma filosofia do desespero, ou uma metafísica da esperança, mas penso que na verdade é exactamente o oposto.Quando se fala da pessoa como produto social, ou como confluência de forças, fragmentada ou marginalizada, o que se faz é criar um enorme mundo de desculpas. E quando Sartre fala de responsabilidade, não se está a referir a nenhuma abstracção; é algo de muito concreto, como estar aqui a escrever, da mesma maneira que poderia estar a fazer outra coisa qualquer; ou como estares aqui a ler isto em vez de fazer outra coisa qualquer.. Trata-se de tomar decisões, de fazer coisas e sofrer as consequências disso.Mesmo existindo seis biliões de pessoas no mundo, o que tu fizeres faz a diferença, desde logo em termos materiais.Faz a diferença, em relação aos outros, e constitui um exemplo.Resumindo, penso que a mensagem disto é que nunca nos devemos pôr à margem ou vermo-nos como vítimas das mais variadas forças.Somos sempre as nossas próprias decisões.

E a propósito:

"Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras como própria.
Manda no que fazes
Nem de ti sejas servo.
Ninguém te dá quem és.
Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
Cumpre alto.
Sê teu filho."

[Fernando Pessoa]